domingo, 13 de novembro de 2011

Sujo de terra

Há mais na terra do que terra.

Soterrados, tesouro de pó,
há na terra de tudo um pouco:
pedra, osso, tempo, sonho,
terra.

Mas entre a sola do pé e o nada
tudo é fundamento.

Se há facas, espinhos,
se caminha por milênios
dança em sepulturas
tudo igualmente chão.

Nem repara,
vai sujando o pé na terra;
pé, peito, pescoço;
afundando lentamente no passado
areia movediça ao contrário.

domingo, 23 de outubro de 2011

Amor morto


brisa,
pasto,
colina.

nada tão sereno como um amor morto.
sofá areioso, quieto,
nem quente, nem frio,
nem morno.

um jardim de epicuro,
um alívio como perdão
sem crime nenhum.

tão morto que quase se desapercebe;
enterrado na poeira de todo dia,
não vale o trabalho do esquecer.

nem lágrima,
nem cuspe,
nem um suspiro.

um poema seria à toa.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nariz

Bochechas rosadas de menina são palco de lágrimas escorridas encharcadas de bossa nova
Testas se multiplicam de surpresa, de raiva, de pensamentos zap de milhão de poetas
Pelo queixo passeia a lesma cachaça recém fugida da garrafa, escapada do gole da careta
Ouvidos ouvem música
Olhos de ressaca
boca;

duro ser ponta de nariz.

abre-alas de um carnaval ridículo,
vadia inconveniente coragem
inútil coragem
da ponta do nariz;

do nariz, não é a ponta que respira, espirra, catarra,
não é lá que os pés dos óculos deitam
é mais pra cima
e a coceira vem sempre por dentro.

Inútil ponta de nariz,
passa vinte, trinta anos fechada
vitrine da loja-cara
brinquedo na caixa.
nada;

A ponta de nariz só tem sua hora e vez
depois de esgotada toda a diplomacia;
depois dos olhos deitarem no corpo dengoso proibido
da boca beber e dizer besteiras
depois das bochechas vermelhas traírem
a testa que tenta esconder pensamentos;
da língua arrumar uma baita confusão
vez do nariz.

vadia inconveniente coragem
inútil coragem
coragem;

Nessas coisas grandes e bobas de touros e homens
voa justo punho procurando alvo, pescando honra;
quem peita e aguenta, sem música ou poema
sujeito homem respirando sangue, coragem
ponta de nariz.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Pai

Pai,
não me ensinaste a chorar lágrimas.
Fizeste um bom trabalho
de pai.

Me ensinaste a crescer infante,
me mostraste como ser grande.
Fizeste um bom trabalho
de pai.

e agora meus sentimentos,
meus piores momentos,
guardo todos cá dentro,
como bem ensinaste,
meu pai.

Pai,
Agora já sou crescido, não mais preciso
de pai.
Agora já sou crescido, não mais preciso
de lágrimas.

Mas isto esqueceste,
ou não me ensinaste,
se por crueldade,
ou por tradição.

Entendi que não choramos lágrimas
nem sangue nem pedras nem águas
Choramos, pois, palavras, choramos piadas,
deixando uma gota, em cada ação.

Um pranto de carinho contido
e todo um canto malvisto
Chorado paternamente,
sem nunca perder o silêncio
de pai.

Não me ensinaste a chorar lágrimas.
Fizeste um bom trabalho
de pai.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Fome

No meio do sertão do Brasil
que nem sei se existe,
me disse-que-disse que tem
uma gente que tem fome.

Num povoado sem povo quase nenhum
Cidadezinha coisa-pouca Apicuiaiaiá
Cheia de vogais ais
que desabam melhor na boca vazia
de uma gente que tem fome.

Fome de furar a barriga por dentro,
de revirar e esvaziar a alma,
fome de desentender o mundo.
Fome cinza, fome seca, fome pedra.

Pra esquecer da fome
não tem tempero.
Pra temperar a fome,
só o desespero.

Pra matar a fome,
me disseram,
ela mata primeiro.

Segura

Bola pra frente
to na área
derrubou é penalti!

Segue caminho reto
Reto
Reto
Reto
Reto
Reto
De repente curva
Curva
Curva
Curva!

Dentre mortos e feridos,
ninguém sabe contar a história.