segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Testamento imaterial

Não pretendo morrer nunca. Mas se eu morrer um dia, o que acho que provavelmente vai acontecer uma hora ou outra, quero ser inteiro doado. Órgãos todos pra quem precisa e corpo pra escolas de medicina, de preferência as públicas. Em hipótese nenhuma quero ser enterrado. Cremado, só se minhas cinzas não repousarem num pote. Se virar um vegetal, não hesitem por um segundo em tirar os fios, não importa as chances de eu voltar.

Saibam que vou feliz. Amei todas as pessoas intensamente. Já vi pessoas gordas e magras, altas e baixas, narizes de todos os formatos e tamanhos. Até pessoa sem nariz eu já vi. Mas nunca vi uma pessoa feia na minha vida inteira.

O que importa são as almas.

Observem mais o céu. Subam em árvores. Tenham consciência da natureza. Cresçam com ela. Conversem, se relacionem. Abraçem, beijem e façam sexo intensamente, quando der na telha, com qualquer pessoa. Esqueçam príncipes e princesas, destinos gloriosos e finais felizes. Leiam Epicuro.

Não tenham vergonha do seu corpo, nem das suas idéias.
Não tenham nojo de nada, principalmente de outras pessoas.
Não tenham medo. O mundo não dá certo por causa dele.

Pronto. Agora sou mais livre: a morte não me acorrenta.

3 comentários:

Alice Agnelli disse...

Tudo isso se resume em uma só palavra: Fontes.

Felipe Lobo disse...

A Alice já disse, mas repito: isso é a sua cara.

E como é importante! Devíamos (devemos) fazer mais isso tudo. Da maneira como vc falou.

Unknown disse...

Felipe,
Esse poema-texto é puro epicurismo, mas cheio de uma idealização romântica muito romântica e, sim, muito idealizada)sobre a Vida e, claro, sua contrapartida, a Morte. Na Vida está, hipoteticamente, a libertação da Morte. Jung disse “Há um momento na vida em que só está pronto para viver quem está pronto para morrer”: porém aqueles que bradavam “Nós, que estamos prontos para morrer, te saudamos, César” não tinham necessariamente uma vida melhor nem mais longa por estarem tão dispostos a morrer. Particularmente, penso que essas belas idéias são o que são: belas idéias. Morremos mais de mil vezes numa só vida, vivemos sempre deixando tudo para trás, esquecendo quem um dia amamos, acenando um breve adeus para o divino Anjo do Passado e seguindo adiante rumo a naufrágios cada vez mais esplêndidos. Gosto da frase de Blaiser Cendrars (who?): “Lamentava ter atirado toda minha vida pela janela. Levei uma vida inteira para descobrir que viver é justamente atirar a vida pela janela”. Enfim, diria que “Só quem está pronto para viver, está realmente pronto para morrer” e não o contrário disso. Meu epicurismo já não é mais romântico nem idealizado há algumas décadas.